sábado, 15 de dezembro de 2007

DEMOCRACIA ?



Em Lisboa, no passado dia 13 foi assinada uma proposta de tratado que teve como objectivo (não é demais denunciá-lo), recuperar o conteúdo da rejeitada «constituição europeia». Um autêntico embuste político que já obrigou a (re)apresentar esta proposta de tratado, que no início foi «constitucional», embrulhado sob a capa de «mini», de «simplificado», de «reformador», para agora, e segundo alguns, passar a ser designado de «Lisboa».Depois de Março, de Junho e de Outubro, concretizou-se assim mais um acto da encenação meticulosamente preparado para iludir os povos, nomeadamente o povo português, quanto a uma intenção e propósitos que desrespeitam profundamente a democracia.Uma encenação à «americana» com que o Governo do PS procurou dissimular a sua política de direita e as consequências desta para a esmagadora maioria dos portugueses. Isto é, uma encenação com que o Governo PS procurou iludir a sua política de classe, de concentração da riqueza e da promoção do poder dos grandes grupos económico-financeiros no País. Uma encenação que intentou fazer esquecer a realidade da exploração, da precariedade laboral, do desemprego, dos baixos salários e pensões, da pobreza de milhões de portugueses, da longa e premeditada degradação dos serviços públicos, do desrespeito dos mais elementares direitos dos trabalhadores e suas organizações representativas, do cercear do pleno e livre exercício da vida democrática nas vertentes política, económica, social e cultural.

Para lá da encenação...

Muito se esforçam os arautos da proposta de tratado da União Europeia para convencer de que o que é não é. A sua dificuldade é que o seu discurso é desmentido, seja pelas políticas de direita realizadas a nível nacional e promovidas ao nível da UE, seja pelas suas consequências, como a degradação das condições de vida de milhões de portugueses, seja pelo que efectivamente a proposta de tratado consigna. Isto é, desmentido pela realidade!Por exemplo, muito se têm esforçado, multiplicando declarações, para apresentar a proposta de tratado como democrática, realçando o reforço do papel do parlamento europeu e alegadamente dos próprios parlamentos nacionais.Trata-se de uma autêntica mistificação que procura escamotear que o que acontece é precisamente o contrário.Os parlamentos nacionais perdem muito mais do que aparentemente ganhariam. Se não vejamos: ao serem «comunitarizadas» mais políticas, são transferidas competências das instituições democráticas dos Estados para as instituições supranacionais da UE. Deste modo, os parlamentos nacionais perdem competências em vários domínios, ficando em troca apenas com a possibilidade de acompanhar, sem que nenhum deles isoladamente possa vetar as iniciativas apresentadas pela Comissão Europeia.Com a ampliação determinada neste tratado das decisões por maioria qualificada (o que significa o fim da unanimidade, isto é, da possibilidade de um Estado evitar que lhe imponham uma decisão contrária aos seus interesses) e por co-decisão (onde o Parlamento Europeu participa, a par do Conselho, na adopção das decisões), as instituições supranacionais da UE reforçam os seus poderes, mas de tal forma que só as grandes potências da UE - com destaque para a Alemanha -, asseguram e até reforçam a capacidade de defender os seus interesses, ao contrário, por exemplo, de Portugal.Portugal perde deputados no Parlamento Europeu (quando outros os aumentam) e perde influência no processo de decisão do Conselho (quando outros o reforçam).Pelo contrário, com este tratado, as grandes potências fortalecem o seu domínio do processo de decisão da UE. No Conselho, uma decisão seria tomada a partir de uma maioria dupla de 55% dos Estados que representem 65% da «população», ora os seis «grandes» têm cerca de 70% do "peso populacional", Portugal cerca de 2,4%. No Parlamento Europeu os seis «grandes» dominariam com os seus 60% de deputados, Portugal teria 2,9%. Que «rica» democracia esta...Com este tratado Portugal perde soberania. Isto é, o povo português perde capacidade de decisão quanto a questões essenciais para o seu presente e futuro ao transpor competências, que devem ser exercidas pelas suas instituições democráticas, para instituições supranacionais da União Europeia, nas quais Portugal vê reduzidas quase a nada as possibilidades de defender os seus legítimos interesses.Então, como é possível que se tente passar a ideia de que o tratado reforça a democracia? Poderá lá haver democracia sem que o povo português tenha a capacidade de decidir sobre as políticas que têm profundas implicações para o País? Poderá lá haver democracia sem a salvaguarda da soberania nacional?

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