terça-feira, 19 de agosto de 2008

A Saúde é um direito!! não é um negócio


Estamos no meio de uma persistente ofensiva contra o SNS, que ao longo destes mais de 25 anos, causou danos no funcionamento dos serviços públicos, que só a dedicação e o profissionalismo da grande maioria dos trabalhadores de saúde, impediu, não só que tivessem consequências ainda mais graves, como até há bem pouco tempo o tornaram no 12º melhor a nível mundial, à frente de outros como os EUA, a Inglaterra ou o Canadá, de acordo com a classificação atribuída pela Organização Mundial de Saúde.
Hoje podemos afirmar que não tivesse sido este empenhamento e a luta das populações que exigiram na rua a manutenção de muitos dos Centros e Extensões de Saúde que hoje ainda estão em funcionamento, a situação seria bem mais difícil.
O que se está a passar na saúde é o resultado dos ataques a que tem sido sujeito o Serviço Nacional de Saúde desde a sua criação, quer por parte da direita política em muitos momentos acompanhada pelo PS, quer de interesses localizados e de grupos. Não satisfeitos com os danos causados ao povo português, hoje vão ainda mais longe e já falam em erro histórico quando se referem ao SNS, ignorando propositadamente os ganhos em saúde, como os 75 anos de esperança de vida à nascença ou uma das mais baixas taxas a de mortalidade infantil a nível mundial (5/1000), sendo verdade que para estes indicadores não contribuiu apenas o Serviço Nacional de Saúde.
Os números não enganam. um elevada percentagem de portugueses não tem médico de família e mais de 230 mil aguardam uma cirurgia.
Não estamos nem perante uma inevitabilidade, nem numa situação irreversível. Este é o resultado de uma política que procurou, ao longo destes anos de SNS e agora mais abertamente, criar dificuldades ao funcionamento dos serviços públicos de saúde, subfinanciando-os, realizando uma política de gestão de recursos humanos errada, com restrições ao nível da formação e ausência de incentivos na fixação de profissionais nos cuidados primários, cujas consequências já se fazem sentir no plano da qualidade, tudo isto acompanhado de uma injusta adopção do princípio do utilizador/pagador.
A receita é muito simples - primeiro cria-se um ambiente hostil aos serviços públicos de saúde, para depois aparecerem as medidas suportadas na tese do primado do privado sobre o público.
Estamos pois perante uma situação em que os detractores do SNS fazem “o mal e a caramunha”. Primeiro criam dificuldades ao SNS e depois vêm dizer que a solução, a alternativa está nas Parceria Público-Privadas, coisa que os grandes grupos privados já consideram insuficiente, defendendo que o Estado exerça apenas o papel de regulador, invista na promoção da saúde e deixe aos privados a medicina curativa, que é a parte mais rentável de um mercado que está em construção e que lhes vai permitir, caso não se inverta o caminho, ter acesso a lucros fabulosos.
Há quem diga que estamos perante um política de rigor orçamental, que os recursos do país não são inesgotáveis, que o Estado não sabe gerir. Nada mais falso. As opções deste governo, tal como já tinha acontecido com anteriores governos, quer do PS, quer da direita, são ideológicas, cuja matriz assenta na desresponsabilização do Estado e na mercantilização desta importante função social do Estado. Já hoje é inequívoco o sentido das decisões que têm vindo a ser tomadas, apesar da bondade do discurso ainda deixar muita gente na expectativa, que são o resultado dos compromissos assumidos entre o poder político e os grupos privados da saúde.
O Governo procura sistematicamente justificar as suas medidas com estatísticas manipuladas, com “relatórios técnicos” feitos à medida das suas opções e, sobretudo, com a cega obsessão pela redução do défice das contas públicas.
É assim que se justificam os encerramentos de dezenas de SAP's por todo o país, deixando as populações, particularmente as do interior, suficientemente longe de uma urgência que, em alguns casos, pode representar a diferença entre a vida e a morte. Foi assim que se justificou o encerramento de maternidades, numa atitude inaceitável de imposição de princípios e critérios aos organismos públicos que não se aplicam aos privados. O mesmo acontece com a proposta de reestruturação das urgências hospitalares. Sem que se tenha criado uma alternativa credível deixando mais de 1 milhão de portugueses a mais de 60 minutos de uma urgência polivalente.
Estamos perante um modelo de cuidados de saúde que é injusto e profundamente desumano. Veja-se por exemplo o que se está a passar com as prioridades da construção de novos hospitais, em que os resultados dos estudos encomendados concluem de forma diversa, dando cobertura desta forma ao vazio de decisão de construir, mas simultaneamente um conjunto de grandes hospitais e clínicas de grupos privados, vão nascendo como cogumelos por esse país fora. Daqui por algum tempo vamos ter certamente o governo a dizer que não vale a pena investir na construção de hospitais do serviço público porque já existem camas suficientes. Algumas delas estão certamente integradas nas 2000 que o grupo Mello quer ter em funcionamento em 2010.
Por mais elaborada que seja a retórica do Primeiro-ministro e da Ministra da Saúde, já não lhes é possível esconder o que há muito temos vindo a denunciar: a sua política de saúde está ideologicamente marcada pelo compromisso de destruir o Serviço Nacional de Saúde e abrir o espaço para que os grupos privados o substituam.

Não venham com a estafada tese de que defendemos tudo tal como está!O quadro está muito claro. De um lado estão os que defendem uma reforma democrática do SNS, como garante do acesso em equidade aos cuidados de saúde por parte de todos os portugueses, do outro os que o querem pura e simplesmente destruir para que desta forma o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde fiquem dependentes das regras do mercado, ou seja quem quer saúde paga. Pela nossa parte defendemos um Serviço Público que garanta o princípio da equidade de acesso, o que passa pela gratuitidade da prestação de cuidados de saúde, eliminando as taxas moderadoras ou de utilização que, como está confirmado, não moderam nada e acrescentam muito pouco às receitas.

Neste contexto a luta das populações contra as políticas neoliberais na saúde é fundamental para a defesa do SNS. A prova da importância destas lutas está na resposta agressiva do discurso de membros do Governo e outros dirigentes do PS, acusando aquelas de servirem estratégias partidárias, leia-se do PCP. Apoiar as populações na defesa dos seus legítimos interesses não é manipular. Manipular é vender «gato por lebre» nas campanhas eleitorais e assumir compromissos que se sabe à partida não quererem assumir.

Pelo movimento de protesto, de opinião, reivindicativo e de luta a que dão forma, pelas possibilidades que têm, por informais, poderem envolver amplas massas, as Comissões de Utentes são no momento presente o mais seguro instrumento da luta popular em defesa do Serviço Nacional de Saúde de qualidade. Por isso realçamos as lutas das populações que, afectadas pelas actuais políticas, promoveram abaixo-assinados (com centenas de milhar de aderentes a nível nacional), manifestações, concentrações e outras iniciativas. Valorizamos o crescimento do número de Comissões de Utentes dos diversos Serviços de Saúde viradas para a resolução de diversos problemas de Saúde no plano local e/ou regional. No entanto, dado o agravamento da crise no Serviço Nacional de Saúde, são ainda claramente insuficientes para a necessária luta a travar.

Pela nossa parte temos continuadamente apresentado propostas para a defesa e desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde que garantam o direito constitucional do acesso de todos os portugueses aos cuidados de saúde em equidade, independentemente do seu estatuto económico e social.

Defendemos que uma verdadeira reforma dos cuidados de saúde primários – em ruptura com a política que tem sido seguida – deve integrar medidas de gestão e administração, de preenchimento e alargamento dos quadros de pessoal, de instalações e equipamentos que lhes permitam autonomia diagnóstica e terapêutica, com a duplicação dos recursos financeiros para os Centros de Saúde no prazo de uma legislatura. É indispensável a articulação entre os centros de saúde e os hospitais para a prestação de cuidados de saúde de qualidade e em tempo.

A gestão de todas as unidades de saúde do SNS deve ser de carácter público, não aceitando qualquer legislação que permita a privatização dos Centros de Saúde e pondo fim aos contratos de gestão privada de estabelecimentos públicos, abandonando as Parcerias Público Privadas (PPP) no Serviço Nacional de Saúde e reintegrando os actuais Hospitais EPE (Entidade Pública Empresarial) no Sector Público Administrativo (SPA).

Na perspectiva de uma melhor articulação dos Serviços Públicos de Saúde, há muito que consideramos ser necessária uma nova lei de gestão dos Serviços de Saúde, democrática e participada pelo Poder Local, no âmbito dos Sistemas Locais de Saúde, com novas regras, técnicas e de competência, sendo a selecção dos órgãos de gestão feita por concurso público.

Muitos dos problemas com que o SNS se confronta hoje são o resultado de uma errada política de recursos humanos. Para obviar a esta situação é urgente concretizar um programa de formação de profissionais de saúde, nomeadamente em áreas de especialização de Cuidados de Saúde Primários, obstetrícia e outras, que ponha fim à depauperação em meios humanos que se está a verificar no Serviço Nacional de Saúde e que garanta a sua sustentabilidade no futuro.

Fundamental para a resolução deste problema é abolir os numerus clausus no acesso aos cursos de Medicina e Enfermagem. Deve promover-se a estabilidade de emprego e das carreiras nos Serviços de Saúde, essenciais à qualidade dos serviços prestados, com o consequente fim dos contratos a termo certo para trabalho permanente e outras formas de precariedade, e acabar com os contratos individuais de trabalho, integrando os trabalhadores nestas condições, nos quadros de pessoal.

A racionalização da despesa com medicamentos está na ordem do dia. Como forma de reduzir a despesa do Estado e sobretudo dos utentes com medicamentos o PCP defende, entre outras medidas, que os medicamentos prescritos nos Hospitais e Centros de Saúde - genéricos ou de marca – devem ser aí dispensados gratuitamente, sempre que o seu custo para os estabelecimentos do SNS seja menor que a comparticipação na compra em farmácias.

Na prossecução do objectivo de racionalizar a despesa com medicamentos defendemos ainda:

- A necessidade de alargar o mercado dos genéricos, com o aumento da sua divulgação e incentivando a sua prescrição. Enquanto se mantiver o sistema de preço de referência, que pensamos dever ser abolido, propomos a implementação de uma cláusula de salvaguarda para garantir que o utente não é prejudicado na comparticipação, pelo facto de o médico não autorizar a utilização de genéricos.

- Ser imperioso o alargamento da lista de medicamentos para doenças crónicas e degenerativas, comparticipados a 100%, bem como devem ser adoptados sistemas de comparticipação pelo SNS que garantam às pessoas com recursos económicos mais limitados, a comparticipação especial de mais 15%, sem os entraves burocráticos como os que foram criados pelo actual Governo, para que dela beneficiem todos os que têm direito.

Por fim exigimos que se pare com o encerramento de serviços de saúde, reabrindo-os ao serviço das populações, realizando uma planificação dos serviços segundo os princípios de proximidade e racionalidade, avaliando as condições de instalações e equipamentos, dotando-os de meios técnicos e de profissionais para cumprirem a sua função com eficiência.

E aqui chegámos a uma encruzilhada:
- com as nossas propostas a saúde continuará a ser um direito;
- com os planos e as políticas do Governo a saúde será um negócio.

Tudo faremos para que as populações possam um dia julgar e decidir qual o caminho politicamente necessário e socialmente mais justo!

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